Governo do DF cria dia em memória às 'vítimas do comunismo', e secretário deixa o cargo; 'problema dele', diz Ibaneis
24/10/2025
(Foto: Reprodução) Chefe da Assessoria Institucional de Ibaneis pede demissão após governador sancionar dia em memória das 'vítimas do comunismo'
Renato Alves/Agência Brasília
O chefe da Assessoria de Assuntos Institucionais do governo do Distrito Federal, Bartolomeu Rodrigues, publicou uma carta aberta nesta sexta-feira (24) para comunicar a saída do cargo.
No texto, Bartolomeu credita a decisão à sanção do governador Ibaneis Rocha (MDB) para a lei que cria, na capital, o "Dia da Memória das Vítimas do Comunismo". A data passará a ser lembrada em 4 de junho.
Até as 18h, o governo do DF ainda não tinha informado quem será o novo titular do cargo. Questionado pelo g1 sobre o caso, Ibaneis respondeu em uma única frase:
"Se foi, é um problema dele", disse o governador.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp.
Veja os vídeos que estão em alta no g1
Carta aberta de demissão
Na carta (leia íntegra abaixo), o agora ex-secretário classifica a lei como uma tentativa de 'revisionismo histórico'.
E critica o governo por criar uma data que, segundo ele, ignora “cadáveres reais” – como o jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado durante a ditadura militar, e o líder estudantil Honestino Guimarães, desaparecido em 1973.
"Há 50 anos, ele [Vladimir Herzog] foi uma das milhares de vítimas de uma ditadura militar que, em nome do 'anticomunismo', institucionalizou a tortura como política de Estado.", destaca o ex-chefe da assessoria institucional do GDF.
Honestino Guimarães: quem foi o estudante torturado e morto pela ditadura há 52 anos; Bruno Gagliasso estrela cinebiografia
Carta de Bartolomeu Rodrigues publicada em rede social
Redes Sociais/Reprodução
Bartolomeu crítica a medida do Distrito Federal e considera uma traição aos ideais democráticos que inspiraram a criação de Brasília
"Ver hoje o Distrito Federal, a capital da esperança sonhada por Juscelino (este também cassado de seus direitos políticos pela ditadura) adotar tal dispositivo é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio. Representa ceder, a qualquer custo, às mentes mais retrógradas de uma página sombria de nossa história", diz Bartolomeu.
O ex-assessor do GDF afirma que, embora deixe o governo, continuará a se manifestar publicamente contra a lei em defesa da memória das vítimas da ditadura.
"Por isso deixo o governo, mas não a luta. Enquanto tiver voz, lutarei para que se revogue esta infame lei, em nome das verdadeiras vítimas – aquelas que tombaram sob as botas da ditadura – e em nome da consciência que não me deixa calar. A consciência não se vende. A verdade não se apaga.", finaliza Bartolomeu.
Sanção do dia em memória das 'vítimas do comunismo'
A lei que cria a nova data no calendário do Distrito Federal foi sancionada na última terça-feira (21).
O projeto foi apresentado na Câmara Legislativa do DF pelo deputado Thiago Manzoni (PL).
O dia 4 de junho foi escolhido devido ao massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial, em 1989, em Pequim.
Durante a data, o poder público poderá organizar atividades que "proporcionem reflexão acerca dos danos à humanidade causados pelas ditaduras comunistas ao longo da história". (Veja íntegra do DODF abaixo)
Texto publicado no DODF sanciona criação do "Dia da Memória das Vítimas do Comunismo"
DODF/Divulgação
Veja a íntegra da Carta
"Comunico hoje a minha decisão de deixar o Governo do Distrito Federal, onde atuei como Secretário de Cultura e Economia Criativa e chefe da Assessoria Institucional, além de outras funções em órgãos colegiados. Não é apenas um ato político – é um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjecta que institui uma data para celebrar a “memória das vítimas do comunismo” no DF.
Esta tentativa de revisionismo nega nossa história, reabre feridas e cria fantasmas onde não existem, enquanto ignora cadáveres reais, como o do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, cujo assassinato nos porões do DOI-Codi é lembrado justo neste mês de outubro. Há 50 anos, ele foi uma das milhares de vítimas de uma ditadura militar que, em nome do “anticomunismo”, institucionalizou a tortura como política de Estado.
Também neste outubro recorda-se o desaparecimento de Honestino Guimarães, líder da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB). Em 1973, enquanto cursava Geologia na Universidade de Brasília (onde me formei), ele foi sequestrado pelo regime militar, submetido a sessões de tortura indescritíveis e só dado como morto em 1996. Tinha 26 anos. Nas palavras de Dom Paulo Evaristo Arns, “não há ninguém na Terra que consiga descrever a dor de quem viu um ente querido desaparecer atrás das grades da cadeia, sem mesmo poder adivinhar o que lhe aconteceu”.
Ver hoje o Distrito Federal, a capital da esperança sonhada por Juscelino (este também cassado de seus direitos políticos pela ditadura) adotar tal dispositivo é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio. Representa ceder, a qualquer custo, às mentes mais retrógradas de uma página sombria de nossa história.
Por isso deixo o governo, mas não a luta. Enquanto tiver voz, lutarei para que se revogue esta infame lei, em nome das verdadeiras vítimas – aquelas que tombaram sob as botas da ditadura – e em nome da consciência que não me deixa calar. A consciência não se vende. A verdade não se apaga."
LEIA TAMBÉM:
VÍDEOS: Criminosos quebram interfones e fazem arrastão em condomínios do DF
TENTATIVA DE FEMINICÍDIO: Homem tenta matar esposa com golpes de picareta no DF e é preso em flagrante
Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.